O ótimo Gudryan nos compartilha esse texto revigorante
do jovem escritor português José Luís Peixoto.
Boa Leitura
IMPOSSÍVEL É NÃO VIVER
Se te quiserem convencer de que é impossível, diz-lhes
que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a
viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais
ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um verbo enorme, longo.
Acreditamos em todo o seu tamanho, não prescindimos de um único passo do
seu/nosso caminho.
Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As
ruas hão-de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés,
correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi
ganha milímetro a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e
concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à
esperança. Esta vida pertence-nos.
Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos.
É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos
distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas
mansas, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de
cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande
de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem
nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de
livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram.
O único impossível é o que julgarmos que não somos
capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos
fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo,
guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos
exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a
viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o
nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de
contabilizar aquilo que valemos.
Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua
direcção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e
tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível,
diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes
que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível
é não teres voz.
José Luís Peixoto, in 'Abraço'