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terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Jamil Chade necessário

Carta para Fernanda Torres: um Oscar pela democracia

Jamil Chade

Querida Fernanda Torres,

A cultura tem tido, ao longo da história, um papel decisivo na transformação de sociedades. Movimentos artísticos criaram a base de uma conscientização popular, poemas mobilizaram a resistência francesa, canções embalaram a onda pacifista no Ocidente.

Hollywood, sem qualquer segredo ou constrangimento, foi uma arma da construção da ideia da "excepcionalidade" americana, com um profundo impacto numa sociedade que foi orientada a acreditar que tem uma suposta missão no planeta. Também foi, com produções extraordinárias, uma plataforma para denunciar o nazismo e outros crimes.

Hoje, a democracia vive uma encruzilhada, com uma parcela do mundo tomada por campanhas que relativizam o estado de direito, sugerem a ideia intervenções militares, o estabelecimento de uma "ditadura só por um dia", como no caso de Donald Trump, ou o desmonte das conquistas das mulheres em seu longo e absurdo caminho pela emancipação.

Hoje, cabe a cada um de nós uma reavaliação profunda de nossos papéis sociais e assumir que nossa geração será cobrada pela história quando, no futuro, perguntarem onde estavam aquelas pessoas enquanto avanços obtidos ao longo de séculos eram ameaçados.

O teu lugar nós já sabemos qual será: a do Oscar da democracia.

Em "Ainda estou aqui", você não é apenas nossa história ou a atriz que encarna o papel de uma mulher extraordinária, sem derramar uma só gota de lágrima. Você coloca no centro da sala o debate sobre o que ocorre com uma família quando a arbitrariedade do autoritarismo vinga.

E, hoje, isso dispensa tradução em línguas estrangeiras. Numa das apresentações do filme, em Roma, a atriz italiana Valeria Golino, que abriu as cortinas do teatro, destacou como aquelas cenas de uma família atravessada pela suspensão das garantias mais fundamentais e do direito à vida poderiam ser de "todos nós".

De fato, elas são.

Num mundo onde a extrema direita avança, onde a desinformação passou a ser um instrumento legítimo de poder e o espaço cívico encolhe, "Ainda estou aqui" é uma declaração de amor à resistência e à construção da democracia por cada um de nós.

Ao percorrer cidades no exterior para a estreia do filme, você e Walter Salles estão mandando uma mensagem poderosa ao mundo de que, numa democracia, a anistia não é o caminho para a paz social. Os criminosos estão vivos, assim como a impunidade. Um dos torturadores chegou a receber 26 medalhas ao longo de sua carreira militar. O outro foi condecorado com a Medalha do Pacificador. Juntos, os responsáveis por aqueles atos custam aos cofres públicos mais de 1 milhão de reais por ano em pensões.

Em cada sessão que serve como uma espécie de antídoto à onda autoritária, vocês estão confrontando populistas, charlatães e vendedores de ilusão do século 21 ao afirmar que a democracia ainda está aqui. E que lutaremos por ela.

A resistência é a insistência de Eunice em fazer com que, diante do fotógrafo, todos estejam sorrindo. Algo insuportável aos movimentos autoritários.

A resistência é nosso intransigente dever de memória, inclusive como homenagem a quem a perdeu.

Te escrevo, portanto, apenas para deixar meu modesto agradecimento, em forma de carta. E dizer que, olhando daqui de fora, constato como vocês transformaram o livro do querido Marcelo Rubens Paiva num enredo universal da liberdade, aquela palavra "que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique, e não há ninguém que não entenda".

Saudações democráticas,

Jamil Chade


https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/12/15/carta-para-fernanda-torres-um-oscar-pela-democracia.htm?utm_source=whatsapp-network&utm_medium=compartilhar_conteudo&utm_campaign=organica&utm_content=geral

domingo, 2 de julho de 2023

Jamil Chade!

Ao Brasil, com amor, verdade, memória e Justiça
Jamil Chade, do UOL
Carta às instituições democráticas brasileiras,

No final de janeiro de 2019, eu me sentei ao lado da mesa do clã Bolsonaro, num café da manhã no luxuoso hotel no qual sua delegação se hospedou em Davos, aqui na Suíça. Entre os vários absurdos que escutei, um deles me deixou duvidando se de fato aquela era a delegação que comandava um dos maiores países do mundo.

O filho do então presidente, o deputado, perguntou a quem estava naquela mesa enquanto tentava usar as redes sociais:

"A palavra "bilionário" é com ou sem a letra "H"?

Não sei exatamente onde ele pensava colocá-la. Mas resposta de alguém na mesa foi ainda mais surpreendente: "Veja se aparece a cobrinha vermelha do corretor".

Aquele crime à língua de Guimarães Rosa, Conceição Evaristo, dos meus amigos Itamar Vieira Junior, Juliana Monteiro e Eliane Brum e tantos outros escritores que eles jamais leram me acendeu um sinal de alerta: do que seriam capazes aquelas pessoas?

Descobrimos da pior forma possível, enterrando nossos irmãos, pais, amigos e, por pouco, nossa tão frágil democracia.

Nesta semana, a inelegibilidade de Bolsonaro abriu aquela esperança típica dos sonhadores de que isso significará o fim da sua carreira política, usada como plataforma para interesses pessoais.

Mas escrevo esta carta para dizer que isso não me basta, ainda que possa ser uma decisão importante para a saúde das instituições nacionais.

Eu, particularmente, vou cobrar três outros aspectos: verdade, memória e justiça.

Quero a verdade, para que a história recente do Brasil não se repita. Nem como tragédia e nem como farsa.

Verdade, essa palavra traduzida na capacidade de a população saber o que de fato ocorreu enquanto seu grupo usou o poder para se apoderar de instituições de estado. O que de fato foi considerado quando foram tomadas decisões que resultaram na morte de pessoas. O que estava em jogo quando, debochando do sofrimento de milhões de pessoas, buscava-se apenas a reeleição.

O direito à verdade é o direito à integridade de uma pessoa, a saber o que ocorreu diante da angústia instalada. Num cenário pós-guerra, as famílias querem a verdade sobre o destino dos corpos de seus filhos, quem disparou a bala, por qual ideal padeceram.

No Brasil, exigimos saber por qual motivo vidas foram criminosamente abreviadas. Qual era o objetivo quando a democracia foi estilhaçada no planalto central.

Quero também preservar a memória, para que a história recente do Brasil não se repita. Nem como tragédia e nem como farsa.

Para que as próximas gerações saibam exatamente o que ocorreu no Brasil entre 2019 e 2022, para que os livros de história tragam o isolamento que se estabeleceu para o país no mundo e para que cada cova cavada não seja a história de uma inevitabilidade.

Há sete décadas, a Alemanha destina milhões de euros para se desnazificar. Todos os dias. E parte desse trabalho é conduzido nas escolas e na conscientização do que representam as ideias que chegaram ao poder, nos anos 30.

A busca pela memória promove o debate, sem tabus. E, sem atalhos, esse é o caminho para promover uma reconciliação e fechar feridas.

Mas isso tampouco basta.

Quero e vou exigir ainda justiça, para que a história recente do Brasil não se repita. Nem como tragédia e nem como farsa.

Justiça, que Freud chamava de "o primeiro requisito da civilização", não é erguer um picadeiro para que revanche seja feita. Justiça é, sobretudo, um reconhecimento da existência de vítimas e a proteção do futuro.

A democracia não morre apenas no escuro. Ela também morre em plena luz do dia, em publicações obscuras no diário oficial, em invasões de terras, na circulação de um vírus, na propagação do ódio, no uso da mentira como estratégia de poder.

E ela morre quando não lidamos com seus detratores e quando a impunidade vence.

Desta vez, a anistia não tem lugar.

Não estamos falando sobre o passado. Mas sobre a construção do futuro.

No dicionário da democracia, os conceitos de memória, verdade e justiça estão todos no mesmo capítulo. Aquele escrito com sangue e que tem como objetivo resgatar sociedades mergulhadas num ciclo de violência, recolocando num longo caminho de uma cultura da paz.

Já a letra "h" que eles procuravam, bem... sugiro guardá-la para usar na palavra "humanidade", construída todos os dias com direitos e dignidade.

Saudações democráticas,

Jamil Chade

quinta-feira, 18 de março de 2021

Jamil Chade

 Cemitério do mundo, Brasil tem o mesmo número de mortes em 24 h que o total somado dos seis locais seguintes no ranking da OMS.

Brasil 2841 EUA. 993 Rússia 460 Itália 431 Polônia 356 Ucrânia 267 França 236

quarta-feira, 12 de junho de 2019




sábado, 19 de maio de 2018

Né?!

Jamil Chade
Um sonho: que a fome no mundo ganhasse o mesmo destaque por 24 horas que um casamento do 6o indivíduo na fila para assumir o trono de uma monarquia estrangeira.