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segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Elika Takimoto!



Nesta manhã bacana de Dia de Reis, estou lidando com dois grupos distintos:

1- o grupo dos que se dizem patriotas, mas que estão irritados e até mesmo conseguindo falar mal da Rainha do Brasil, Fernanda Torres. Para esses, mando beijos.

2- o grupo dos que querem ficar felizes mas estão se melindrando quando a gente aponta a importância política da visibilidade desse filme não só para o Brasil como também para o mundo.

Para esse segundo grupo, tenho que explicar o óbvio - coisa que faço, confesso, com um certo prazer neste momento que Tilda Swinton virou nossa amiga de infância.

“Ainda estou aqui”, meu anjo, só foi possível porque Dilma, quando era presidenta do Brasil, criou a Comissão da Verdade, um marco histórico no nosso país. Sem os elementos trazidos pela Comissão, nem o livro nem o filme existiriam, como disse várias vezes o próprio autor Marcelo Rubens Paiva.

“Ainda Estou Aqui”, meu bem, é um filme que se passa no Rio de Janeiro da década de 1970 - auge da ditadura militar, como descrita pelo poeta, a página infeliz da nossa história.

No caso em questão, sequestram o pai de família, o deputado Rubens Paiva, com a justificativa de que ele precisaria prestar um depoimento de rotina.

Rubens Paiva foi cassado pelo Ato Institucional Número 1 em abril de 1964 após ter feito um discurso incisivo na Rádio Nacional denunciando o caráter golpista dos militares.

Ele nunca mais foi visto novamente depois daquela noite em que foi sequestrado.

Depois de 40 anos de sua tortura e de seu assassinato, os restos mortais de Rubens Paiva foram desenterrados pelos militares e jogados ao mar em 1973 numa queima de arquivo.

Eunice Paiva se tornou símbolo das campanhas pela abertura de arquivos sobre vítimas do regime.

Então, meu anjo, temos fatos.

Temos verdades, documentos, temos um livro, temos Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Selton Melo, Walter Salles, Marcelo Rubens Paiva, temos um filme e, agora, temos um prêmio porque sim, é nosso.

E quando digo "nosso", é seu também, meu anjo.

Eis um bom momento para refletir sobre o lado que você está nessa história.


Se for para ficar feliz e impávido colosso junto com a gente, seja bem vindo.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Ler e Refletir

 A BOCETA DE PANDORA.
Fernanda Torres
Folha de São Paulo

'Minha mãe e eu entramos no Facebook quase que por obrigação. Depois de dar com dezenas de perfis falsos de nós duas, a rede nos aconselhou a criar dois faces oficiais, para evitar a multiplicação de clones.
Neste mês, impressionadas com o levante contra exibições de arte, postamos dois vídeos, em apoio à educação e à cultura. O enxovalho foi geral, postagens virulentas, que ultrapassavam os limites da razão.

Já recebi manifestações contrárias, sem nunca barrar internautas. Notei, no entanto, um crescimento impressionante do poder de 'haters', nos últimos dez anos.

Dessa vez, a ferocidade se concretizou em ameaças de morte e linchamento, em xingamentos de puta, velha, babaca e gagá, culminando com um aviso de que o revoltado aceleraria o carro para cima de dona Fernanda, caso a visse cruzar a esquina.

Se o indignado se sente impune para manifestar, em público, o delírio de passar com as quatro rodas sobre o corpo de minha mãe, quem garante que ele não o realizará?

O receio nos fez, pela primeira vez, reportar ao Facebook as intimidações mais assombrosas. E essa foi a resposta dada pelo Big Brother a todos os posts enviados:

'Examinamos o comentário e, embora ele não vá contra nenhum dos nossos Padrões da Comunidade específico, você fez a coisa certa ao nos informar'.

Se a ameaça de morte e linchamento não desrespeita os padrões, o que o desrespeitaria? Conheço gente banida do Face por ter postado fotos nuas, mas o corpo nu, hoje, provoca mais repúdio do que cano de uma metralhadora.

Reportagem recente, no 'Guardian', esclarece a nova ordem das moralidades e responsabiliza, em parte, a indústria tecnológica pela escalada da agressividade.

A crítica não parte de nenhum santo avesso às redes, pelo contrário, o mea culpa vem deles, dos reis do Silicon Valley que, hoje, passados dos 30 anos, acreditam terem aberto uma boceta de Pandora.

Justin Rosenstein, o criador do like do Facebook, e seus pares, e são muitos na reportagem, explicam que todos os dispositivos psicológicos de adição foram usados para manter o internauta ligado ao smartphone.

A maneira como deslizamos os dedos para ler o próximo post é semelhante ao das máquinas de caça-níqueis que rodam ícones na frente do jogador. Avisos em vermelho pedem para serem apagados; os likes proporcionam satisfação momentânea, que logo quer ser renovada.

Não é mais possível resistir ao aparelho, assistir um filme inteiro sem checá-lo, jantar com os filhos sem responder à demanda, ou dormir sem o celular na cabeceira.

Compulsão similar ao da dependência da nicotina, do jogo e da droga, que desperta no adito frustração, raiva, rancor, solidão, ódio e irracionalidade.

Comportamento exacerbado, visível em insultos e certezas cegas das redes; bem como na ascensão de lideranças afinadas com a ofensa e a radicalidade.

Tristan Harris, ex-empregado do Google, dedica-se ao estudo da manipulação mental da nova indústria. É um dos que, cientes do estrago, reflete sobre a possibilidade de, com a mesma ciência que criou o monstro, redefinir uma ética que influencie outros padrões na comunidade.

PS. O Teatro Oficina será emparedado por espigões de cem andares. Lina Bo Bardi, Dionísio, a história do teatro e de José Celso Martinez Corrêa foram vencidos pela especulação imobiliária. Que exemplo triste da ignorância que nos rege agora'.