Dona Stefânia Wojtyga, minha avó, era muito religiosa. Católica
fervorosa, organizou várias viagens para o Santuário de Aparecida e sempre que
podia visitava outras festas santas, ajudou a construir a Paróquia Santa Gemma
Galgani, a famosa Catedral da Barreirinha. Ali casou filhos, netos e viu
gerações passarem por aqueles bancos. Nos últimos tempos, ao final de cada
missa que assistia era muito festejada pelos fiéis que esperavam para
cumprimentá-la.
Em casa seu ritual tinha o copo com água benta
na oração pelo rádio ao meio dia, o terço e a caderneta com nomes de quem
precisava da ajuda divina. Era por volta das seis da tarde, na Hora do Ângelus,
que alguém ali se achegava pra reza. O tio Waldir, filho caçula, foi o que
deu mais audiência nos últimos tempos.
Lembro com riqueza de detalhes das animadas novenas de
Natal que enchiam de vizinhos aquela casa num belo encontro de música e oração. O
lanchinho depois era um clássico e certeza de sucesso: por vezes apareciam os
salgadinhos da vizinha dona Rose e era só alegria da Natividade.
Essa tradição da reunião em torno da fé, e o costume de agradecer aos céus pelo pão e pelo trabalho foram repassados, servindo de exemplo para
os de casa e também os de fora. Quem ali viveu alguma experiência
dessas sabe do que estou falando. A Vó fazia questão que esses usos e costumes
fossem compartilhados com outras famílias e por isso sempre tinha gente nova por lá.
Destas festas destaco Páscoa, Natal e Corpus Christi.
A procissão do Corpo de Cristo passa próximo à Catedral
da Barreirinha pertinho da casa da Vó. A rua fica linda, muito enfeitada com
mosaicos feitos de flores, galhos, folhas, serragens e demais elementos que
transformam uma via urbana numa obra de arte sacra feita por populares.
Para que fique ornamentada logo cedo, quando o cortejo santo
desfila, os voluntários começam o trabalho bem antes do amanhecer. A tradição da Vó Stefânia era acordar antes do povo sair para preparar o café com
lanche, a fim de aquecer aquela gente, afinal, o feriado acontece em junho e o
friozinho de Curitiba não perdoa.
No Natal era uma festa. O Papai Noel foi em todos os anos
de minha infância e também na dos demais que vieram depois. Todo mundo ganhava
alguma presente do bom velhinho que era patrocinado pela Dona Stefânia. O
ritual da benção da hóstia que ela repartia do mais velho pro mais novo; assim
como o significado das comidas como o peixe, símbolo do cristianismo, tudo isso
deixa uma lembrança que aquece a alma.
Mas, para mim, era na Páscoa o ápice da mistura desses
elementos de tradição, cultura e fé. A Semana Santa por si só tem uma
programação especial para o católico e minha Vó gostava de cumprir essa
liturgia e fomentar esses símbolos.
Ela foi uma das grandes incentivadoras do Êxodus, um
grupo de teatro amador, que começou com amigos e familiares e que, na Sexta-feira
Santa, apresenta a Paixão de Cristo há pelo menos duas décadas num emocionante
espetáculo de Fé e Amor que une e orgulha a comunidade local. Para isso acontecer,
o trabalho voluntário começa meses antes e envolve muita gente determinada em fazer
o melhor para o dia da apresentação. Essa preparação toda gera expectativa e
contribui para que esse feriado santo seja ainda mais emblemático.
No sábado de Aleluia, o jejum de carne vermelha ainda não é quebrado, mas os preparativos para o domingo de Páscoa já são vistos e os aromas sentidos. Uma cesta é preparada com itens significativos: pão, queijo, salame, pêssankas, (ovos pintados por integrantes da família) mel, entre outras iguarias, são levados até a benção dos alimentos. O cordeiro esculpido na manteiga é um ingrediente dos mais importantes pra mim, não só pela beleza da peça como também por sua representatividade.
A cerimônia da benção dos alimentos ocorre na maioria das paróquias onde há concentração de fiéis poloneses ou oriundos do catolicismo do leste europeu. A cerimônia mais tradicional acontece no Bosque do Papa João Paulo II, o Karol Wojtyła e a semelhança com o sobrenome da nossa família não é coincidência: ambas são parentes originárias do sul da Polônia, na região de Cracóvia, mas essa história é pra outro post.
O amanhecer do Domingo de Páscoa é muito vivo na minha memória: lembro como se fosse agora daquela alegria e ansiedade da espera pela procura da cesta de ovos de chocolate. Muitas vezes os primos dormiam juntos na casa de baixo para que cedinho começassem as buscas mais fantásticas que aquela criançada já teve. E o mais legal é que sempre tinham uns agregados que aumentavam a alegria daquele encontro mágico da criança e sua cesta de Páscoa. A celebração da Ressurreição seguia para o café da manhã com uma mesa farta e também cheia de significados. Para mim, o ovo quente é o sabor que trago até hoje e repito o ritual pelas manhãs. Mas não dá pra esquecer a broa preta feita em casa, o salame Polonês ou Blumenau, aquele patê vermelho com queijo da Colônia Muricy ou da vizinha ali de baixo...hum.
Depois era só seguir pra missa festiva e voltar pro
almoço que o tio Adelson já havia providenciado aquele churrasco, tia Cristina
a MaioneseMara e o povo ia chegando com cada prato que dava água na
boca. Mas antes de comer, sempre agradecíamos.
Assim aprendemos, assim seguimos.
Por essas e outras que esperava poder dar um funeral
histórico para Dona Stefânia. Ela merecia isso. A comunidade local também. Imaginava
aquele velório aberto na Barreirinha, no salão da igreja com comida farta e
reza bonita.
A programação religiosa, minha prima Kellynha, como Ministra da Eucaristia, conhece de cor. Nas homenagens, músicas e afins, Eto, o Irmão, é um Mestre de Cerimônia nato; já ouço por aqui a tia Irene cantando hinos com aquele agudo clássico, o Padre Leocádio abençoando a passagem, o povo chorando, contando histórias, agradecendo o privilégio de ter estado com essa mulher que, infelizmente, enterramos ontem, mas que, felizmente, sempre estará viva nessas memórias.