quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Waly Salomão do dia


 

GARRAFA

Vá dizer aos camaradas

Que fui para o alto-mar

E que minha barca naufraga.

Leme partido.

Casco arrombado.

Sem farol afunda

Nas pedras dos arrecifes.

Bandeira aos farrapos. Nenhuma estrela guia

Célere desce lá do céu para minha companhia.

Destroços: proa, velame, quilha,

prancha, rede de pescar, arpão,

bússola, astrolábio, boia, sonar...

Que fui para o alto-mar

E que Medina e Meca já não significam

                                 mais nada para mim.

Entrevado

Vista turva

Porto nenhum avisto

Nas trevas da cerração.

Pelejo entre os vagalhões e as rocas

Não apuro os nós de lonjuras das seguras docas

Tampouco os altos e baixos relevos das pedras

                                                         que roncam ais

                                            no quebra-mar do cais

Um marinheiro conserta sua embarcação

                                   — corpo de intempestiva casa —

Em pleno alto-mar aberto.

                                             Vá dizer aos meus amigos.

(SALOMÃO, Waly. Poesia total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014)

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