Hoje, 1º de agosto, em Curitiba, o céu amanheceu branco e verde. Os passarinhos só diziam: Lela, Lela, Rafael, Rafael. E no ar pairava um forte cheiro de pólvora de foguetes e pó-de-arroz. Nada mais me restava a não ser filosofar: "Não se pode ganhar sempre".
E, guiado por meu atrapalhado coração atleticano, fui até o mastro no meu jardim, onde tremula o pavilhão rubro-negro, e fiz descer a bandeira dos meus sonhos. E foi com um misto de pesar e júbilo que pus em seu lugar e hasteei as campeoníssimas cores do nosso arqueadversário, hoje, aqui e agora, para sempre, campeão brasileiro de 1985.
Um demônio (ou um anjo?) vestido de preto e vermelho (um Exu?) me sussurrava brabo com Tóbi na grande área do Bangu: “Teu time é tua pátria, traidor. Vendeste a lama por um escanteio, vira-casaca. Então, foi para isso que te demos tantas alegrias?”. Nesse momento, recebi um passe do Índio e, vendo que eu estava em campo livre pela esquerda, o demônio rubro-negro preferiu a falta, mas, antes que me atingisse, toquei a bola na perna dele, e foi lateral a meu favor. Foi isso, tudo isso. E muito mais.
Foi ver uma equipe coesa, coerente, bem orquestrada, enfrentar os faixas-pretas do futebol brasileiro, e sair na frente. Foi ver um time de um Estado de poucas glórias esportivas explodir no templo máximo do futebol brasileiro. Foi muito bom saber que futebol não é só coisa de Cariocas, paulistas, mineiro e gaúchos. E, se o título foi nosso, pode bem ser de pernambucanos, baianos, catarinenses e capixabas, de goianos e mato-grossenses, brancos, negros e mulatos queridos do meu Brasil, que escrevem com os pés a arte maior do meu país.
O futebol é o termômetro, a radiografia do Estado do Brasil.
Seria por acaso que, nestes tempos de insuportável dívida externa, nossos grandes craques estejam lá fora, na Europa, com os números que selam nossa dependência aos bancos estrangeiros? Não, com mil pênaltis, não. No Brasil, se o futebol vai bem, é sinal de que as coisas estão indo bem. Se o futebol vai mal, algo vai mal na terra de Pelé, Sócrates, Zico, Falcão, Cerezo e daquele reserva de ponta-esquerda do Náutico, do Ferroviário, dos Nenecas, Tatas, Paquitos, Muçuns e Evaristos, que fazem as alegrias dos nossos domingos.
Este título do Coritiba, de um time de tradição, mas interiorano, é um título da democracia, um título da Nova República, um título para todo mundo que só senta nas arquibancadas do Maracanã como crianças pobres em volta de uma grande fogueira esperando gritar gol, como quem espera que lhe joguem a alegria de um pedaço de pão.
Obrigado, Coritiba, por essa alegria. Você esteve à altura do teu destino.
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