Dica do Fabrizio com Z
Em 1961, Jânio Quadros encheu a cara e tentou dar um golpe para passar de presidente a ditador. Bebeu mal, pisou na jaca e fugiu num cargueiro. O golpe veio menos de três anos depois. Foi dado pelas forças que o elegeram. A anarquia serviu de pretexto para chamarem os militares.
Há um mês, o general Hamilton Mourão, candidato a vice de Jair Bolsonaro, disse que o próximo presidente pode dar um "autogolpe" se anarquia houver. Segundo a Constituição, quem define o que é anarquia e aciona as Forças Armadas é um dos três Poderes.
No Supremo, o presidente no próximo período será Dias Toffoli. Toga preta chegado ao verde-oliva, ele nomeou um general como braço direito. Disse não ter havido nem golpe nem ditadura em 1964. Mandou a liberdade de imprensa às favas e censurou a Folha.
Na Câmara, caso seja acatada a proposta do general Mourão, o presidente será Levy Fidelix. O maníaco do aerotrem chamou os gays de "doentes mentais", defendeu que a homossexualidade é "contagiosa" e associou-a a pedofilia.
Se Jânio era a UDN de porre, Jair é o PSL de porrete. Eleito, terá a legitimidade do voto, o amparo da lei e, a seus pés, partidos prostrados ou servis. Bastará a Bolsonaro dar um assobio da janela do Planalto para chamar os milicos: já avisou que terá "um montão" de ministros generais.
Enquanto o lobo não vem, os fardados terão com o que se entreter. Como Bolsonaro defendeu a tortura "em certas situações", poderão estudar como bem aplicá-la. Arrancar unhas com alicate? Os choques na genitália, tão anos 1970? Ou a uberfashion americana do waterboarding?
O capitão e sua tropa escancaram o que pretendem. Acham o 13º "uma jabuticaba" a ser erradicada do pomar pátrio. Querem extorquir mais impostos de gente exangue. Estão doidos para "privatizar tudo" — escolas, hospitais, metrôs e, presume-se, a fabricação em série de paus de arara.
Nas domingueiras na Paulista contra Dilma, em 2016, havia grupos enormes a pregar a volta da ditadura. Tinham caminhões, alto-falantes e proteção da PM — o que denotava um dinheiro razoável e articulação política de porte. Mas esse não é o ponto.
O ponto: os autoritários tinham a simpatia da massa. Ela não os hostilizava, ao contrário. Os pró-ditadura contaram com o acoelhamento interesseiro dos liberais. "São minoritários", foi o trololó de um deles ao arrumar o cashmere, amarrado nos ombros com estudada displicência.
Das tardes na Paulista às pesquisas eleitorais, o movimento das massas pela opressão se exacerbou. As explicações políticas, econômicas e sociológicas são indispensáveis. Mas algo sempre parece se lhes escapar: a irracionalidade bestial do fenômeno.
Por que o encantamento com a boçalidade? Por que milhões ficam surdos à razão e se insurgem contra os próprios interesses? Para obter indícios de respostas é produtivo conhecer as especulações de um clássico sobre o tema, "Psicologia das Massas e Análise do Eu", de Freud.
Escrito no entreguerras, o livro teve como móvel a crise da civilização europeia, com a transformação do iluminismo em selvageria. Seguindo Le Bon, Freud diz que, ao se dissolver na massa, o indivíduo solta seus impulsos inconscientes, comete atos contrários a seu caráter e costumes.
O líder, um demagogo teatral, propaga a energia libidinal que une os indivíduos na massa. Os que veem a sexualidade como vergonhosa acatam aquele que diz que eles não devem se reprimir — devem, isso sim, reprimir aqueles de evidenciam a sua sexualidade.
É o caso do aerotrem que atropela gays. Da ira de Bolsonaro contra a curiosidade indecente das crianças em relação à sexualidade. Como o inconsciente do líder fala diretamente ao inconsciente dos indivíduos, a massa fica imune à argumentação fundada na lógica.
O triunfo da irracionalidade se dá por meio de sugestão e contágio. A sugestão faz com que insinuações agressivas sejam aceitas como verdades. É o caso das fake news. Elas se disseminam porque reforçam aquilo em que massa já acreditava. A realidade não importa.
As fake news se espalham por meio do contágio. Ou seja, da união dos sedentos por submissão, que se juntam numa turba onipotente. Hoje, o contágio prescinde até da massa real, concreta: o WhatsApp faz com que células isoladas virem manadas desembestadas em poucos minutos.
No Brasil destes dias a combustão de neuroses particulares em paranoia coletiva parece iminente. A descrença na ação racional, porém, só pode ser barrada por ela mesma: a consciência racional.
Mario Sergio Conti
Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".
Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".
FSP 6.10.2018
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