quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Lemisnki do Dia

Hoje, aniversário do título brasileiro de 1985, deixo aqui a redação da coluna que o poeta Paulo Leminski publicou na revista Placar comemorativa ao Coritiba Football Club (coletada originalmente pelo coritibano Marco Latuf Lima):
-- Uma Declaração Alviverde (por um poeta atleticano) --
PAULO LEMINSKI
Hoje, quinta-feira, 1º de agosto, em Curitiba, o céu amanheceu branco e verde. Os passarinhos só diziam: Lela,Lela, Rafael,Rafael. E no ar pairava um forte cheiro de pólvora de foguete e pó-de-arroz. Nada mais me restava a não ser filosofar: "Não se pode ganhar sempre".
E, guiado por meu atrapalhado coração atleticano, fui até o mastro no meu jardim onde tremula o pavilhão rubro-negro e fiz descer a bandeira de meus sonhos. E foi com um misto de pesar e júbilo que pus em seu lugar e hasteei as campeoníssimas cores do nosso arquiadversário, hoje, aqui e agora, para sempre Campeão Brasileiro de 1985.
Um demônio (ou um anjo?) vestido de preto e vermelho (um Exu?) me sussurava, brabo com o Tobi na grande area do Bangu: "Teu time é tua pátria, traidor. Vendeste a alma por um escanteio, Vira-Casaca. Então, foi para isso que te demos tantas alegrias?".
Nesse momento, recebi um passe do Índio e, vendo que eu estava em campo livre pela esquerda, o demônio rubro-negro preferiu a falta, mas, antes que me atingisse, toquei a bola na perna dele, e foi para lateral a meu favor. Foi isso, tudo isso. E muito mais.
Foi ver uma equipe coesa, coerente, bem orquestada, enfrentar os faixas pretas do futebol brasileiro (cariocas), e sair na frente. Foi ver um time de um Estado de poucas glórias atlético-esportivas explodir no Templo máximo do futebol brasileiro. Foi muito bom saber que futebol não é só de cariocas, paulists, mineiros e gaúchos. E, se o título foi nosso, pode bem ser de pernambucanos, baianos, catarinenses, capixabas de goianos e matogrossenses, brancos, negros e mulatos queridos de meu Brasil, que escrevem com os pés a arte maior do meu país.
O futebol é o termômetro, a radiografia do Estado do Brasil. Seria por acaso que, nestes tempos de insuportável dívida externa, nossos grandes craques estejam lá fora, na Europa, como os números que selam nossa dependência aos bancos estrangeiros?
Não, com mel, pênaltis, não. No Brasil, se o futebol vai bem é sinal de que as coisas estao indo bem. Se o futebol vai mal, algo vai mal na terra de Pelé, Sócrates, Zico, Falcão, Cerezo e daquele reserva ponta esquerda do Náutico do Recife, do Ferroviário de Teresina, dos Nenecas, Tatas, Paquitos, Muçuns e Evaristos, que fazem as alegrias dos nossos domingos.
Este Título do Coritiba, de um time de tradição, mas interiorano, é um Título da democracia, um Título da Nova República, um Título para todo mundo que só senta nas arquibancadas do Maracanã como crianças pobres em volta de uma grande fogueira esperando gritar "gol", como quem espera que lhe joguem a alegria de um pedaço de pão.
Obrigado, Coritiba, por essa alegria. Você esteve à altura do teu destino.
Paulo Leminski

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